domingo, 28 de junho de 2009

Ecossocialismo e planejamento democrático - Michael Löwy

Ecossocialismo” é a tentativa de fornecer uma alternativa civilizacional radical ao que Marx chamou o "processo destrutivo" do capitalismo.


(2) Ela avança com uma política econômica fundada nos critérios não-monetários e extra-econômicos das necessidades sociais e do equilíbrio ecológico. Fundado nos argumentos básicos do movimento ecologista e da crítica marxista da economia política, esta síntese dialética ­– tentada por um vasto espectro de autores, de André Gorz (nos seus primeiros escritos) a Elmar Altvater, James O'Connor, Joel Kovel e John Bellamy Foster – é ao mesmo tempo uma crítica da "ecologia de mercado", que não desafia o sistema capitalista, e do "socialismo produtivista", que ignora a questão dos limites naturais.


Segundo O'Connor, o objetivo do socialismo ecológico é uma nova sociedade baseada na racionalidade ecológica, no controle democrático, na igualdade social e no predomínio do valor de uso sobre o valor de troca. (3) Eu acrescentaria que estes valores requerem: (a) propriedade coletiva dos meios de produção ('coletiva' significa aqui propriedade pública, cooperativa ou comunitária); (b) planejamento democrático, que torna possível a sociedade definir os seus objetivos de investimento e produção; e (c) uma nova estrutura tecnológica das forças produtivas. Por outras palavras, uma transformação revolucionária, econômica e social. (4)


Para os ecossocialistas, o problema das principais correntes da ecologia política, representadas pela maioria dos partidos Verdes, é que eles não parecem levar em conta a contradição intrínseca entre as dinâmicas de expansão ilimitada do capital e de acumulação de lucros, e a preservação do ambiente. Isto conduz a uma crítica do produtivismo, muitas vezes relevante, mas não vai além de uma economia de mercado ecologicamente reformada. O resultado é que muitos partidos Verdes se tornaram no álibi ecológico de governos social-liberais de centro-esquerda. (5)


Por outro lado, o problema das correntes dominantes na esquerda ao longo do século XX – a social-democracia e o movimento comunista de inspiração soviética – é a sua aceitação do padrão de forças produtivas realmente existente. Enquanto a primeira se limitava a uma versão reformada do sistema capitalista, keyenesiana na melhor das hipóteses, a segunda desenvolveu uma forma autoritária de produtivismo coletivista – ou capitalista de Estado.

Os próprios Marx e Engels não ignoravam as conseqüências de devastação ambiental do modo de produção capitalista; há várias passagens do “Capital” e de outros textos que indicam esta compreensão. (6) Além disso, eles acreditavam que o objetivo do socialismo não é produzir mais e mais bens, mas proporcionar aos seres humanos tempo livre para desenvolverem plenamente as suas potencialidades. Nesta medida, têm pouco em comum com o 'produtivismo', isto é, com a idéia de que a expansão ilimitada da produção é um objetivo em si.


Porém, as passagens dos seus escritos sobre o efeito do socialismo no desenvolvimento das forças produtivas para além dos limites impostos pelo sistema capitalista, circunscrevem a transformação socialista às relações de produção capitalistas, que se tornaram um obstáculo ('amarras' é o termo freqüente) ao livre desenvolvimento das forças produtivas existentes. Socialismo significaria, acima de tudo, “apropriação social” da capacidade produtiva, colocando-a ao serviço dos trabalhadores. Citando uma passagem do “Anti-Dühring”, uma obra canônica para muitas gerações de marxistas, sob o socialismo "a sociedade toma posse, abertamente e sem rodeios, das forças produtivas, que se tornaram demasiado grandes" para o presente sistema. (7)


A experiência da União Soviética ilustra os problemas que resultam da apropriação coletivista dos aparelhos de produção capitalistas. Desde o início, predominou a tese da socialização das forças produtivas existentes. É verdade que, nos primeiros anos após a Revolução de Outubro, desenvolveu-se uma corrente ecologista e foram tomadas pelas autoridades soviéticas algumas medidas limitadas de proteção ambiental. Mas com o processo estalinista de burocratização, os métodos produtivistas na indústria e na agricultura impuseram-se por meios totalitários, enquanto os ecologistas foram marginalizados ou eliminados. A catástrofe de Chernobyl foi o exemplo acabado das conseqüências desastrosas desta imitação das tecnologias produtivas ocidentais. Uma mudança nas formas de propriedade a que não suceda uma gestão democrática e a reorganização do sistema produtivo só pode levar a um beco sem saída.

Uma crítica da ideologia produtivista do "progresso" e da idéia de uma exploração "socialista" da natureza, já aparecia nos escritos de alguns dissidentes marxistas dos anos 30, tais como Walter Benjamin. Mas é, sobretudo, ao longo das últimas décadas que o ecossocialismo se desenvolve como um desafio à tese da neutralidade das forças produtivas, que continuam a predominar nas principais correntes da esquerda do século XX.


Os ecossocialistas deveriam inspirar-se nas observações de Marx sobre a Comuna de Paris: os trabalhadores não podem tomar posse do aparelho de Estado capitalista e colocá-lo ao seu serviço. Eles têm de "quebrá-lo" e substituí-lo por um poder político radicalmente diferente, democrático e não-estatista. O mesmo se aplica, mutatis mutandis, ao aparelho produtivo, que não é "neutro", mas que transporta na sua estrutura a marca do seu desenvolvimento ao serviço da acumulação de capital e da expansão ilimitada do mercado. Isto o coloca em contradição com as necessidades de proteção ambiental e com a saúde da população. Ele deve, portanto, ser "revolucionarizado", num processo de transformação radical.


É claro que muitas conquistas científicas e tecnológicas da modernidade são preciosas, mas o conjunto do sistema produtivo deve ser mudado, e isto só pode ser feito por métodos ecossocialistas, i.e, através de um planejamento democrático da economia que leve em conta a preservação do equilíbrio ecológico. Para alguns setores da produção, isto pode significar uma descontinuidade. Por exemplo: instalações nucleares, certos métodos de pesca industrial em massa (responsáveis pelo quase-extermínio de numerosas espécies marinhas), o abate destrutivo de florestas tropicais, etc. – a lista é muito longa. No entanto, começa por exigir uma revolução no sistema energético, com a substituição das atuais fontes (sobretudo fósseis), responsáveis pelo envenenamento do ambiente, por fontes renováveis de energia: água, vento, sol. Este tema é decisivo porque as energias fósseis (petróleo, carvão) são responsáveis por muito da poluição no planeta, assim como pelas mudanças no clima. A energia nuclear é uma falsa alternativa, não só pelo perigo de novos Chernobyl, mas também porque ninguém sabe o que fazer com milhares de toneladas de resíduos nucleares – tóxicos durante centenas, milhares e por vezes milhões de anos – e com gigantescas instalações obsoletas e contaminadas. A energia solar, que nunca levantou grande interesse nas sociedades capitalistas (não sendo "rentável" ou "competitiva"), deve tornar-se objeto de investigação e desenvolvimento intensivos e ter um papel-chave no desenvolvimento de um sistema energético alternativo.


Tudo isto deve ser realizado sob as condições necessárias do pleno emprego e do emprego justo. Estas condições são essenciais, não só para cumprir um desígnio de justiça social, mas também para assegurar o apoio da classe trabalhadora ao processo de transformação estrutural das forças produtivas. Este processo é impossível sem o controle público dos meios de produção e sem planejamento, isto é, decisões públicas sobre investimento e mudança tecnológica que devem ser tomadas longe dos bancos e das empresas capitalistas, de modo a servirem o bem-comum da sociedade.


Mas não basta colocar estas decisões nas mãos dos trabalhadores. No terceiro volume do “Capital”, Marx definiu o socialismo como “a sociedade onde os produtores associados organizam racionalmente as suas trocas (Stoffwechsel) com a natureza". Mas no primeiro volume do “Capital” é feita uma abordagem mais ampla: o socialismo é concebido como "uma associação de seres humanos livres (Menshen) que trabalha com meios de produção comuns (Gemeinschaftlichen)” (8). Esta concepção é muito mais apropriada: a organização racional da produção e do consumo tem que ser obra não são só dos "produtores", mas também dos consumidores; com efeito, de toda a sociedade, com a população produtiva e também "não-produtiva", a qual inclui estudantes, jovens, domésticas (e domésticos), pensionistas, etc.


Neste sentido, toda a sociedade poderá escolher, democraticamente, que linhas produtivas devem ser privilegiadas, e que recursos deverão ser investidos em educação, saúde ou cultura. (9) Os próprios preços dos bens não serão deixados às leis da oferta e da procura, mas determinados, até onde for possível, por critérios sociais, políticos e ambientais. Inicialmente, isto envolveria apenas taxas sobre alguns produtos e preços subsidiados para outros. Mas, idealmente, com o avanço da transição para o socialismo, mais e mais produtos poderiam ser distribuídos sem custos e de acordo com a vontade dos cidadãos.

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